A invenção da solidão

6 de março de 2017

– Oi, tudo bem? Acordado a esta hora?

Se você está online, sempre aparece alguém para conversar. Se você não toca no smartphone por horas, também não falta alguém para chamar.

– Você não aparece online há três horas. Aconteceu alguma coisa? Fala comigo.

– Nada, não. Só preciso ficar sozinho, quieto no meu canto.

– OK, eu respeito.

Mentira. Dez segundos depois, ela continua.

– Você viu o vídeo animal que a Letícia postou?

A tecnologia não deixa ninguém ficar sozinho. Ela potencializou a rede de relacionamentos. A distância não é mais obstáculo. O tempo não é mais empecilho. Nossas redes sociais comportam o amado professor da terceira série, o guia que conhecemos na Amazônia e o primeiro namorado a quem magoamos e que hoje é um amigo. O círculo de amigos saltou de um punhado para várias centenas de contatos.

Várias pesquisas, no entanto, vêm sinalizando que a internet está fazendo as pessoas se sentirem mergulhadas em solidão e depressão, apesar de estarem cada vez mais cercadas de gente por todos os lados. Mas se ninguém consegue mais ficar sozinho, por que elas se sentem tão solitárias?

“A solidão tornou-se a doença mais comum do mundo moderno”, afirma o designer gráfico israelense Shimi Cohen em sua premiada animação “The Innovation of Loneliness” (A inovação da solidão). “O ser humano é um ser social, e a solidão pode levá-lo à loucura”, acrescenta Cohen, em seu trabalho inspirado no livro “Together Alone” (Juntos Sozinhos), da americana Sherry Turkle, professora de estudos sociais de ciência e tecnologia do MIT, uma das mais prestigiadas escolas de tecnologia do mundo. “Estamos colecionando amigos como quem coleciona selos, sem distinguir qualidade de quantidade.”

Em apenas quatro minutos, a animação constrói um raciocínio sobre as origens da solidão, afirmando que as relações no ambiente digital se concentram no compartilhamento de fotos e mensagens, sacrificando a boa e velha conversa e colocando no lugar conexões.

E qual é o problema de ter uma conversa?

“Ela toma tempo, acontece em tempo real e você não pode controlar o que vai dizer”, diz a animação. “Em vez de fazer amizades de verdade, ficamos obcecados em construir uma imagem nos perfis, com as melhores fotos e informações.” Para Cohen, estamos usando a tecnologia para definir quem somos. E isso leva a algumas ilusões, a mais grave das quais a sensação de que nunca mais nos sentiremos sozinhos. “Mas isso é um risco – diz a animação – porque o contrário também é verdadeiro”, diz o vídeo. “Se não formos capazes de ficarmos sozinhos, nós só vamos entender o que é a solidão.”

E a solidão talvez tenha implicações maiores do que parece. “Uma análise de 18 estudos distintos mostra que a falta de relações sociais está associada a um aumento de 29% em doenças cardíacas e 32% em derrames”, afirma o cirurgião cardiovascular americano Mehmet Oz. “A solidão também aumenta a pressão arterial e o estresse, além de alterar o DNA, reduzindo a imunidade e tornando as pessoas mais vulneráveis a infecções.” Ele acredita que o tom da voz, o contato visual, a linguagem corporal e um simples toque no braço fazem falta para que as relações interpessoais sejam saudáveis e melhorem o estado de espírito e a saúde das pessoas.

Oz fez um estudo com mulheres de todas as classes sociais e regiões dos Estados Unidos. O objetivo era, inicialmente, estudar causas de problemas cardiovasculares, e a pesquisa revelou que 60% delas têm sentimentos de solidão e de isolamento com alguma frequência e que 20% passam por essa sensação quase o tempo todo. Ele concluiu que essa solidão está associada a uma vida social pobre em contatos físicos – e não um efeito da tecnologia. “Substituímos o contato real pelo contato virtual e estamos insatisfeitos com isso”, acredita ele.

“As mídias sociais são uma poderosa ferramenta para criar conexões, mas também podem criar uma ilusão de conectividade”, afirma. “Amizade é mais do que colecionar listas de pessoas e curtidas. Ela implica relações mais profundas, nas quais somos mais vulneráveis para nossos amigos, e eles para nós”, acrescenta o médico. Segundo a pesquisa, as pessoas tendem a seguir, acompanhar e ler o que seus amigos fazem ou pensam, mas sem interagir com elas. E quando interagem, apenas curtem, em vez de deixar um comentário. Telefonemas e chamadas de vídeo ajudam, mas não substituem o contato físico. “O tempo é nossa commodity mais valiosa, e quanto mais o gastamos em atividades online, menos temos para usá-lo com os outros”, resume.

“Mas não se preocupe”, diz Oz. “Você não precisa sair do Facebook, Instagram e Twitter para acabar com a solidão.” Eles não são culpados, da mesma forma que a obesidade por sedentarismo não pode ser atribuída ao computador ou à televisão – mas sim a quem não levanta da cadeira ou do sofá. Por isso, Oz dá algumas dicas para usar a tecnologia para combater a solidão.

1 – Pare de curtir as postagens dos amigos e, em vez disso, escreva um comentário. Seu amigo vai se sentir melhor, e sua ligação com ele vai se fortalecer.

2 – Use toda a facilidade de encontras pessoas no seu smartphone para marcar encontros com elas.

3 – Use seu celular para facilitar suas relações pessoais, não para substituí-las. Crie um grupo de amigos no seu aplicativo de mensagens, por exemplo, para marcar programas e atividades juntos.

4 – Quando estiver com seus amigos, não deixe seu celular visível. Uma pesquisa recente mostrou que a qualidade da conversa diminui quando o smartphone está à vista, mesmo que ele não toque ou alerte.

5 – Procure aplicativos para conhecer pessoas com interesses semelhantes perto de você para compartilhar seus gostos. Um exemplo é o Meetup. Ele é para conectar pessoas e colocá-los juntos para atividades em grupo.

“Nossa pesquisa sugere que a solidão é contagiosa”, diz Oz. “Mas o contato pessoal também é” – acrescenta o médico – “isso pode até salvar sua vida.”

Assista o vídeo aqui.

E mais sobre o tema aqui.

 

 

 

 

Fonte: Dialogando - A invenção da solidão Dialogando

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