Já percebeu que os desastres naturais fazem mais vítimas nas periferias do que nos grandes centros urbanos? Quando cai aquele vendaval, a gente não vê as pessoas andando de barco na Avenida Paulista. Mas a gente vê nos locais mais carentes, quando as enchentes revelam que ali há pouca ou nenhuma infraestrutura. Essa realidade tem nome: racismo ambiental. E é essa nossa pauta de hoje.
Não dá para falar em racismo ambiental sem falar em desigualdade socioambiental, mal que afeta principalmente as comunidades marginalizadas.
Mas o que isso tem a ver com racismo?
Comunidades marginalizadas = pessoas pretas, pobres e indígenas, não é mesmo? Grupos historicamente excluídos das políticas públicas. Gente que, muitas vezes, sequer usufrui de saneamento básico ou tem banheiro dentro das próprias casas – ao menos 5 milhões de pessoas não têm, maioria na região nordeste do país, segundo o levantamento do Instituto Trata Brasil, que mostra mais números violentos do descaso.
Cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e quase 100 milhões sofrem com a ausência de coleta de esgoto. É muita gente. Muita gente mesmo.
Essas comunidades sofrem os impactos negativos da degradação ambiental e da falta de acesso a recursos naturais e serviços ambientais, enquanto as populações mais privilegiadas usufruem de uma maior proteção ambiental e surfam em melhores condições de vida.
É como se o dinheiro público escolhesse quem ele quer que viva melhor, com dignidade, na mais perversa manobra de beneficiar alguns poucos contribuintes em detrimento da esmagadora maioria.
Nesse cenário, o racismo ambiental se manifesta de várias formas, como em lixões e aterros sanitários próximos a comunidades de baixa renda, na poluição do ar em bairros mais pobres, entre outros tantos casos.
Vamos entender com exemplos reais.
Racismo ambiental – os alvos escolhidos
Trouxemos alguns casos que envergonham a pauta dos direitos humanos em nosso país e fora dele para que você entenda como o racismo ambiental se dá e quais são seus alvos.
No Brasil
- A contaminação da água e do solo em comunidades indígenas e quilombolas no Nordeste do Brasil, devido ao uso excessivo de agrotóxicos nas plantações ao redor.
- No Pará, a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, que deslocou comunidades indígenas e ribeirinhas e teve um impacto significativo na biodiversidade da região.
- No Mato Grosso, a construção da rodovia BR-163, cujo desmatamento expulsou as comunidades indígenas da região.
- Em 2015, a contaminação por metais pesados em comunidades próximas às minas de ouro em Paracatu, Minas Gerais, que afeta a saúde dos moradores locais até hoje.
- A precarização da assistência à saúde indígena e a ausência de programas governamentais voltados à retirada de garimpeiros de suas terras. Recentemente, a crise sanitária no Território Yanomami, com centenas de yanomamis sofrendo pelos sintomas graves de malária sem terem acesso a remédios e dezenas de crianças com desnutrição em estado avançado.
Na Índia
- O desastre de Bhopal, de 1984, quando um vazamento tóxico da fábrica de pesticidas da empresa Union Carbide matou milhares de pessoas e deixou muitas outras doentes e incapacitadas – a maioria das vítimas é composta de pessoas pobres e marginalizadas.
Nos Estados Unidos
- O escândalo da cidade de Flint, nos Estados Unidos, onde uma crise de água potável afetou principalmente a população negra e de baixa renda, que não tinha acesso à água potável devido à falta de investimentos em infraestrutura e à contaminação por chumbo devido a tubulações antigas. Doze pessoas morreram e centenas desenvolveram problemas mentais.
Tudo tão triste, não é mesmo?
Mas o pior é que a gente poderia passar horas aqui mostrando outros tantos casos de racismo ambiental no Brasil e em outras partes do planeta.
As consequências por trás disso tudo
O racismo ambiental não se encerra nele mesmo, claro. Afeta o acesso a oportunidades econômicas e sociais, já que seus alvos muitas vezes têm menos acesso a empregos, educação e serviços públicos de qualidade. Como resultado: vai se desenhando um círculo vicioso de desvantagem social, econômica, perpetuação da pobreza e do próprio racismo estrutural.
Pense com a gente. Uma criança sem água potável tem a mesma capacidade cognitiva que as crianças dos bairros com infraestrutura para performar bem nos estudos?
Não tem, né?
O que significa que já estão fadadas à exclusão social desde o momento em que estão no quentinho da barriga de suas mães.
A falta de saneamento básico e de acesso à água de qualidade, aliás, podem estar na origem de problemas como o déficit de estatura e de outras condições associadas à desnutrição. Não é de hoje que a ciência provou, por exemplo, que há uma relação direta entre a ocorrência frequente de diarreia e a mortalidade infantil, mas estudos recentes mostram que infecções bacterianas repetidas podem afetar e prejudicar a absorção de nutrientes para o resto da vida – quando o problema ocorre nos primeiros dois anos de vida, os danos podem ser definitivos.
O que podemos fazer para combater o racismo ambiental
A luta contra o racismo ambiental requer a participação de absolutamente todos nós.
Algumas medidas para o combate a esse crime humanitário incluem:
1. Conscientização e educação
- Promover a conscientização sobre o racismo ambiental por meio de campanhas educacionais em escolas, comunidades e mídias sociais.
- Incluir a história e o impacto do racismo ambiental nos currículos educacionais.
2. Participação comunitária
- Incentivar a participação ativa das comunidades afetadas em decisões relacionadas ao meio ambiente.
- Facilitar o acesso das comunidades marginalizadas a processos de tomada de decisão.
3. Política direcionada
- Promover políticas públicas que abordem diretamente o racismo ambiental.
- Defender leis que protejam as comunidades marginalizadas de práticas prejudiciais ao meio ambiente.
4. Acesso à justiça
- Facilitar o acesso das comunidades afetadas ao sistema judicial para contestar injustiças ambientais.
- Apoiar organizações que ofereçam assistência jurídica gratuita ou a preços acessíveis.
5. Desenvolvimento sustentável
- Incentivar o desenvolvimento sustentável que leve em consideração as necessidades específicas das comunidades marginalizadas.
- Promover fontes de energia limpa e práticas sustentáveis nas regiões afetadas.
6. Mídia responsável
- Encorajar uma cobertura jornalística equitativa e sensível às questões ambientais e raciais.
- Destacar histórias de sucesso de comunidades que enfrentaram e superaram o racismo ambiental.
7. Apoio a iniciativas locais
- Apoiar financeiramente e de outras formas iniciativas locais que visam combater o racismo ambiental.
- Participar ativamente de organizações que trabalham para a justiça ambiental.
8. Avaliação de impacto ambiental equitativa
- Garantir que avaliações de impacto ambiental sejam realizadas de maneira justa, levando em consideração todas as comunidades afetadas.
9. Colaboração intersetorial
- Fomentar parcerias entre organizações governamentais, não governamentais, empresas e comunidades para desenvolver soluções abrangentes.
10. Inclusão e diversidade
- Promover a diversidade em todas as esferas da sociedade, incluindo cargos de liderança em organizações ambientais e governamentais.
11. Responsabilidade empresarial
- Exigir que as empresas adotem práticas sustentáveis e socialmente responsáveis, especialmente aquelas que operam em áreas historicamente afetadas pelo racismo ambiental.
Ao abordar o racismo ambiental de maneira holística, podemos trabalhar em direção a comunidades mais justas e equitativas.
Porque enquanto houver um único ser humano sem água potável, especialmente em um país como o Brasil, onde o recurso não falta, não haverá democracia nem qualquer avanço nas pautas dos direitos humanos.
Há muito a ser feito, mas a gente precisa acreditar.