Racismo Ambiental​: os alvos e impactos de uma pauta desgastante

29 de novembro de 2023

Já percebeu que os desastres naturais fazem mais vítimas nas periferias do que nos grandes centros urbanos? Quando cai aquele vendaval, a gente não vê as pessoas andando de barco na Avenida Paulista. Mas a gente vê nos locais mais carentes, quando as enchentes revelam que ali há pouca ou nenhuma infraestrutura. Essa realidade tem nome: racismo ambiental. E é essa nossa pauta de hoje.

Não dá para falar em racismo ambiental sem falar em desigualdade socioambiental, mal que afeta principalmente as comunidades marginalizadas.

Mas o que isso tem a ver com racismo?

Comunidades marginalizadas = pessoas pretas, pobres e indígenas, não é mesmo? Grupos historicamente excluídos das políticas públicas. Gente que, muitas vezes, sequer usufrui de saneamento básico ou tem banheiro dentro das próprias casas – ao menos 5 milhões de pessoas não têm, maioria na região nordeste do país, segundo o levantamento do Instituto Trata Brasil, que mostra mais números violentos do descaso.

Cerca de 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e quase 100 milhões sofrem com a ausência de coleta de esgoto. É muita gente. Muita gente mesmo.

Essas comunidades sofrem os impactos negativos da degradação ambiental e da falta de acesso a recursos naturais e serviços ambientais, enquanto as populações mais privilegiadas usufruem de uma maior proteção ambiental e surfam em melhores condições de vida.

É como se o dinheiro público escolhesse quem ele quer que viva melhor, com dignidade, na mais perversa manobra de beneficiar alguns poucos contribuintes em detrimento da esmagadora maioria.

Nesse cenário, o racismo ambiental se manifesta de várias formas, como em lixões e aterros sanitários próximos a comunidades de baixa renda, na poluição do ar em bairros mais pobres, entre outros tantos casos.

Vamos entender com exemplos reais.

Racismo ambiental – os alvos escolhidos

#PraTodosVerem: fotografia colorida de um pequeno menino olhando pela janela de uma casa bastante simples e inacabada na favela Santa Maria, no Rio de Janeiro.

Trouxemos alguns casos que envergonham a pauta dos direitos humanos em nosso país e fora dele para que você entenda como o racismo ambiental se dá e quais são seus alvos.

No Brasil

  • A contaminação da água e do solo em comunidades indígenas e quilombolas no Nordeste do Brasil, devido ao uso excessivo de agrotóxicos nas plantações ao redor.
  • No Pará, a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, que deslocou comunidades indígenas e ribeirinhas e teve um impacto significativo na biodiversidade da região.
  • No Mato Grosso, a construção da rodovia BR-163, cujo desmatamento expulsou as comunidades indígenas da região.
  • Em 2015, a contaminação por metais pesados em comunidades próximas às minas de ouro em Paracatu, Minas Gerais, que afeta a saúde dos moradores locais até hoje.
  • A precarização da assistência à saúde indígena e a ausência de programas governamentais voltados à retirada de garimpeiros de suas terras. Recentemente, a crise sanitária no Território Yanomami, com centenas de yanomamis sofrendo pelos sintomas graves de malária sem terem acesso a remédios e dezenas de crianças com desnutrição em estado avançado.

Na Índia

  • O desastre de Bhopal, de 1984, quando um vazamento tóxico da fábrica de pesticidas da empresa Union Carbide matou milhares de pessoas e deixou muitas outras doentes e incapacitadas – a maioria das vítimas é composta de pessoas pobres e marginalizadas.

Nos Estados Unidos

  • O escândalo da cidade de Flint, nos Estados Unidos, onde uma crise de água potável afetou principalmente a população negra e de baixa renda, que não tinha acesso à água potável devido à falta de investimentos em infraestrutura e à contaminação por chumbo devido a tubulações antigas. Doze pessoas morreram e centenas desenvolveram problemas mentais.

Tudo tão triste, não é mesmo?

Mas o pior é que a gente poderia passar horas aqui mostrando outros tantos casos de racismo ambiental no Brasil e em outras partes do planeta.

As consequências por trás disso tudo

#PraTodosVerem: retrato colorido de uma senhora negra segurando um cobertor em um centro comunitário. A imagem sinaliza que ela está desabrigada.

O racismo ambiental não se encerra nele mesmo, claro. Afeta o acesso a oportunidades econômicas e sociais, já que seus alvos muitas vezes têm menos acesso a empregos, educação e serviços públicos de qualidade. Como resultado: vai se desenhando um círculo vicioso de desvantagem social, econômica, perpetuação da pobreza e do próprio racismo estrutural.

Pense com a gente. Uma criança sem água potável tem a mesma capacidade cognitiva que as crianças dos bairros com infraestrutura para performar bem nos estudos?

Não tem, né?

O que significa que já estão fadadas à exclusão social desde o momento em que estão no quentinho da barriga de suas mães.

A falta de saneamento básico e de acesso à água de qualidade, aliás, podem estar na origem de problemas como o déficit de estatura e de outras condições associadas à desnutrição. Não é de hoje que a ciência provou, por exemplo, que há uma relação direta entre a ocorrência frequente de diarreia e a mortalidade infantil, mas estudos recentes mostram que infecções bacterianas repetidas podem afetar e prejudicar a absorção de nutrientes para o resto da vida – quando o problema ocorre nos primeiros dois anos de vida, os danos podem ser definitivos.

O que podemos fazer para combater o racismo ambiental

A luta contra o racismo ambiental requer a participação de absolutamente todos nós.

Algumas medidas para o combate a esse crime humanitário incluem:

1. Conscientização e educação

  • Promover a conscientização sobre o racismo ambiental por meio de campanhas educacionais em escolas, comunidades e mídias sociais.
  • Incluir a história e o impacto do racismo ambiental nos currículos educacionais.

2. Participação comunitária

  • Incentivar a participação ativa das comunidades afetadas em decisões relacionadas ao meio ambiente.
  • Facilitar o acesso das comunidades marginalizadas a processos de tomada de decisão.

3. Política direcionada

  • Promover políticas públicas que abordem diretamente o racismo ambiental.
  • Defender leis que protejam as comunidades marginalizadas de práticas prejudiciais ao meio ambiente.

4. Acesso à justiça

  • Facilitar o acesso das comunidades afetadas ao sistema judicial para contestar injustiças ambientais.
  • Apoiar organizações que ofereçam assistência jurídica gratuita ou a preços acessíveis.

5. Desenvolvimento sustentável

  • Incentivar o desenvolvimento sustentável que leve em consideração as necessidades específicas das comunidades marginalizadas.
  • Promover fontes de energia limpa e práticas sustentáveis nas regiões afetadas.

6. Mídia responsável

  • Encorajar uma cobertura jornalística equitativa e sensível às questões ambientais e raciais.
  • Destacar histórias de sucesso de comunidades que enfrentaram e superaram o racismo ambiental.

7. Apoio a iniciativas locais

  • Apoiar financeiramente e de outras formas iniciativas locais que visam combater o racismo ambiental.
  • Participar ativamente de organizações que trabalham para a justiça ambiental.

8. Avaliação de impacto ambiental equitativa

  • Garantir que avaliações de impacto ambiental sejam realizadas de maneira justa, levando em consideração todas as comunidades afetadas.

9. Colaboração intersetorial

  • Fomentar parcerias entre organizações governamentais, não governamentais, empresas e comunidades para desenvolver soluções abrangentes.

10. Inclusão e diversidade

  • Promover a diversidade em todas as esferas da sociedade, incluindo cargos de liderança em organizações ambientais e governamentais.

11. Responsabilidade empresarial

  • Exigir que as empresas adotem práticas sustentáveis e socialmente responsáveis, especialmente aquelas que operam em áreas historicamente afetadas pelo racismo ambiental.
#PraTodosVerem: fotografia colorida de um jovem garoto estudando em uma mesa de uma casa extremamente simples e inacabada, com os tijolos à mostra. Ele segura um lápis e escreve em um caderno.

Ao abordar o racismo ambiental de maneira holística, podemos trabalhar em direção a comunidades mais justas e equitativas.

Porque enquanto houver um único ser humano sem água potável, especialmente em um país como o Brasil, onde o recurso não falta, não haverá democracia nem qualquer avanço nas pautas dos direitos humanos.

Há muito a ser feito, mas a gente precisa acreditar.

Fonte: Dialogando - Racismo Ambiental​: os alvos e impactos de uma pauta desgastante Dialogando

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