Direito de inclusão digital dos povos indígenas

5 de dezembro de 2023

Em uaurá, língua da família aruaque, muito presente nos estados do Amapá, Mato Grosso e Amazonas, internet virou enunakuwa — céu aberto para flutuar. O smartphone é chamado de yuntagapi — aquele que transmite informações.

Quando ouvimos falar de povos indígenas, é comum a gente escutar que as comunidades tradicionais só querem a demarcação de terras, mas quando a pauta são seus direitos constitucionais, há muito mais a ser feito. Nesse cenário, a garantia da inclusão digital dessas populações não é menos importante.

Nossa Constituição estipula, desde 1988, que é dever do Estado incluir o grupo nos meios de comunicação usados por todos. Por isso hoje te convidamos a superar estereótipos comuns associados a quem há quase 600 anos habitava, sozinho, todo o território brasileiro.

Quando um indígena aparece em qualquer matéria de jornal com um celular na mão, é comum virar alvo de centenas de comentários racistas. Como se esse indivíduo deixasse de ser indígena por ter incorporado recursos tecnológicos em seu dia a dia.

Ignorância que fala?

Se for, é necessário estar alerta! A identidade indígena diz respeito a uma cultura, povo e civilização que fazem parte de um território. É só sobre isso. Nesse cenário, julgar que suas populações devem permanecer no ostracismo tecnológico é um grande impeditivo para o desenvolvimento do próprio país.

Entenda!

Inclusão Digital dos Povos Indígenas: por cultura e proteção

#PraTodosVerem: fotografia colorida de um jovem indígena usando a câmera de um celular para pintar o rosto.

Historicamente, os povos nativos sempre foram excluídos do acesso ao conhecimento, desde o surgimento das telecomunicações até a convergência nas tecnologias de informação e comunicação – as chamadas TICs.

Novas ferramentas causaram impactos significativos nessas comunidades, o que podemos considerar positivo ou negativo, a depender da disponibilidade do uso.

Quando os povos tradicionais experimentaram os primeiros computadores, uma série de gargalos emergiram O primeiro, o do desconhecimento da manipulação de equipamentos, o segundo, relativo à conexão.

O problema social e econômico desses acessos melhorou, em parte, com os programas de inclusão digital fortalecidos na década passada. Mas um desafio permaneceu: preparar o usuário indígena para o manuseio criativo e produtivo das TICs, realidade que agora, em 2023, deu um salto de qualidade e vem contribuindo muito em frentes diversas – desde a difusão de elementos culturais até a resistência contra retrocessos ambientais.

Um processo democrático que engatinha

Muitas populações indígenas têm usado as redes para alcançar pessoas sensíveis às suas pautas, dentro e fora do país.

Os recursos online já rompem o isolamento em que algumas comunidades vivem, e também as ajudam a vencer a barreira da falta de espaço nas mídias tradicionais. Nesse cenário, a internet acabou se tornando uma ferramenta de comunicação fundamental para a denúncia de violências humanas e ambientais em terrenos indígenas.

Mas você sabe como isso tudo começou?

Em 2003, quando o Comitê para a Democratização da Informática (CDI) – organização social de utilidade pública –, deu largada à Rede Povos da Floresta, projeto que implantou pontos de acesso à internet em comunidades do Acre, Amapá, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Em 2010, a pauta ganhou o reforço do Centro de Inclusão Digital Indígena (Cidi), instituição sem fins lucrativos que recebe doações de equipamentos de informática novos ou usados, faz a manutenção, os entrega para as comunidades e ainda oferece cursos de informática básica e de formação de monitores indígenas para atuarem nas futuras escolas de informática criadas nas aldeias.

Mas o Cidi enfrentou dificuldades e foi inaugurado só em março de 2012 na comunidade Tikuna, no norte de Manaus (AM). Isso porque, no todo, as políticas públicas de inclusão digital existem, mas ainda continuam marginais.

Sem contar…

Os fatores mais sensíveis

Na prática, a manutenção das infraestruturas em aldeias é caríssima, os pontos existentes não duram muito tempo e as comunidades não conseguem mantê-los. As regiões mais remotas, claro, sofrem de total apagamento tecnológico.

As únicas exceções são as escolas indígenas, cujos pontos são mantidos pelos governos estaduais, mas verdade mesmo é que essas populações acessam a internet essencialmente quando vão às cidades.

Levar internet para aldeias pode enfrentar outras tantas dificuldades relacionadas a desafios logísticos, socioeconômicos e culturais. Algumas das principais são:

Topografia e geografia: em regiões montanhosas, florestas densas ou áreas com difícil acesso, a topografia e a geografia podem criar obstáculos significativos para a instalação de infraestrutura de comunicação.

Educação digital: a falta de familiaridade e educação digital pode ser um desafio. Mesmo que a infraestrutura seja instalada, pode ser necessário fornecer treinamento e educação para que os membros da comunidade possam aproveitar os benefícios da internet de maneira eficaz e segura.

Sustentabilidade energética: em algumas áreas, a disponibilidade de energia elétrica pode ser limitada. A implementação de tecnologias de comunicação requer fontes de energia sustentáveis e confiáveis.

Respeito à autodeterminação indígena: é crucial abordar as preocupações relacionadas à autodeterminação e consentimento informados das comunidades. O envolvimento significativo e respeitoso de seus membros nas decisões sobre a implementação da internet é fundamental.

Questões regulatórias e políticas: barreiras regulatórias e políticas podem dificultar a expansão de serviços de internet em regiões mais remotas. A falta de políticas claras e de apoio governamental pode ser um impedimento significativo.

Segurança e privacidade: a implementação de serviços em rede também levanta preocupações sobre segurança cibernética e privacidade. É essencial garantir que as comunidades indígenas sejam protegidas contra possíveis ameaças online.

Iniciativas que inspiram

Mapeamos algumas ações de sucesso dos povos tradicionais conectados à rede mundial de computadores para que você entenda que ao democratizar o acesso às tecnologias estamos colaborando para os avanços de todo o país. Confira!

Os Ashaninka

Uma das primeiras comunidades conectadas do Brasil foram os Ashaninka, populações que habitam a região do Alto Juruá (AC), na divisa entre Brasil e Peru.

Para se defender dos madeireiros peruanos, que desmatavam as florestas, prejudicavam seus recursos e muitas vezes entravam em atritos com a comunidade, os Ashaninka resolveram inovar.

A munição foi um painel solar para captar energia e um computador. A partir daí, bastaram alguns envios de e-mails para ONGs e para o governo, com relatos denunciando as agressões. Resultados: as informações foram recebidas na Presidência da República e repassadas à Polícia Federal e ao comando do Exército, que montaram uma ação para combater os invasores. Agora, a tecnologia é parte integrante da comunidade, que tem um blog e usa o Twitter para se comunicar.

Índios online

A rede de diálogo intercultural — formada pelos povos Kiriri, Tupinambá, Pataxó-Hãhãhãe e Tumbalalá da Bahia; os Xucuru-Kariri e Kariri-Xocó de Alagoas; e os Pankararu de Pernambuco — é um portal muito conhecido entre as comunidades indígenas.

O projeto, desenvolvido pela ONG Thydêwá de Salvador (BA), com o apoio do Ministério da Cultura, da Associação Nacional de Apoio ao Índio (Anaí) e com assessoria de um etnólogo alemão, conta com seção de notícias, apresentação das atividades desenvolvidas pelos povos, fóruns e uma sala de chat.

Ao se conectarem, os indígenas dessas tribos formam grupos de estudo e trabalho em benefício de suas comunidades.

Os Paiter Suruí

O povo Paiter Suruí, que vive em Cacoal (RO), vem adotando a internet e as redes sociais como estratégia de divulgação de suas causas – proteção do território, preservação da cultura e defesa do meio ambiente.

Tudo começou quando o cacique da tribo, Almir Suruí, conseguiu chamar a atenção de executivos do Google pedindo para que ajudassem seu povo a monitorar a floresta.

A gigante multinacional acabou comprando a causa e doou laptops, aparelhos de telefone celular e de GPS, que agora são empregados para fiscalizar e ajudar a combater a exploração dos recursos naturais em suas terras.

A partir daí, mais de 30 indígenas foram treinados para monitorar o território usando os equipamentos e aprenderam a filmar, a postar vídeos no YouTube e a usar as ferramentas de geolocalização na internet para fiscalizar o espaço geográfico. Agora, eles utilizam todo esse arsenal tecnológico para denunciar desmatamento, invasões e outros crimes ambientais.

#PraTodosVerem: fotografia colorida de duas jovens indígenas tirando uma selfie com um smartphone.

Se você, assim como nós, entende o acesso à tecnologia como um caminho democrático para todos os povos, de todas as partes e cores, fique por dentro das leis que defendem os interesses das comunidades originárias e pressione os parlamentares que defendem suas causas.

Levar conexão para áreas remotas é sempre complexo, mas passa, antes de tudo, por regulamentações de antenas e pontos de instalação que requerem apoio político. Sem esse apoio, essa realidade poderá se estender e custar caro demais para todo o país.

Fonte: Dialogando - Direito de inclusão digital dos povos indígenas Dialogando

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