Jamais, em toda a história, desde que as mulheres passaram a usar calças, se falou tanto em representatividade feminina.
Nem todas elas sabem, mas o simples ato de usar a peça é, por si só, um ato político. Afinal, séculos atrás, seu uso se restringia aos homens e só entre 1837 e 1901 – durante a Era Vitoriana, marcada pelo reinado da Rainha Vitória, na Inglaterra – insurgentes feministas passaram a batalhar pelo direito de adotar a vestimenta.
E, pasmem. Na França, a lei que não permitia o uso de calças por mulheres, por exemplo, foi revogada, oficialmente, só em 2013.
Daí você imagina as batalhas das mulheres na tecnologia, mesmo com as contribuições de Augusta Ada King, matemática e escritora britânica reconhecida por criar o primeiro algoritmo que permitiria às máquinas computarem valores de funções matemáticas.
Vamos dar uma olhada no cenário?
Os desafios das mulheres na tecnologia
Falamos de um mal sistêmico e, se você chegou aqui, sabe que em todos os setores as mulheres no mercado de trabalho enfrentam os mais diversos obstáculos, ainda que os dados mostrem que a presença feminina nas carreiras tecnológicas vem, inegavelmente, subindo.
De janeiro a maio do ano passado, o Banco Nacional de Empregos (BNE) identificou 12.716 candidaturas femininas para vagas de tecnologia, contra 10.375 no mesmo período do ano anterior. Dados divulgados pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) apontam que a participação feminina no setor cresceu 60% nos últimos cincos anos: passou de 27,9 mil mulheres para 44,5 mil em 2020.
Esses avanços seriam mais sinceros se algumas questões não atrasassem essa conquista.
De acordo com a Pesquisa de Remuneração Total da consultoria Mercer, o mercado de tecnologia é o mais desigual entre gêneros no campo salarial.
Na análise de mais de 30 mil empresas do mundo, que contou com 759 companhias brasileiras, o levantamento dá conta de que nos níveis executivos das organizações a disparidade salarial chega a 36%. Desproporção que continua para os níveis de gerência (7%) e operacional (9%).
No campo do estudo, elas enfrentam um desafio que se arrasta há séculos.
Segundo dados do levantamento Thoughtworks para o perfil dos profissionais do setor no Brasil, apenas 57% se iniciaram em centros formais de ensino; a maior parte começou a aprender de forma autodidata, no próprio trabalho ou via iniciativas sociais para o público de baixa renda.
Esse panorama entrega a triste realidade de um país outrora colonizado, período em que apenas homens tinham acesso à educação – resquícios que trazemos até hoje, já que, em relação às mulheres, pessoas do sexo masculino ainda possuem maior índice de escolaridade.
Resultado: os diplomas universitários das profissões da sigla STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, na tradução) trazem menos nomes femininos que masculinos.
No mundo gamer
Mulheres já representam mais da metade do público integrado ao universo dos games. Contamos com 53% de jogadoras ativas nesse mercado, que deve faturar cerca de R$ 1 trilhão até 2023, de acordo com a consultoria Newzoo.
Essa presença de peso vem trazendo impactos positivos no mundo dos e-sports, como o Fifa feminino da América Latina, realizado pela Women Up Games – movimento que coloca mulheres no comando dos jogos para zerar o preconceito dos players.
Mas, no jogo da vida, por trás do desenvolvimento do setor, a presença das mulheres ainda é tímida.
Entre as 14 maiores empresas globais desse mercado, apenas 24% dos cargos são ocupados por elas, que somam 5,8% das profissionais no gênero nas posições de desenvolvedoras (DEVs).
A procura por DEVs gamers, aliás, é enorme. O setor tem qualificado muitos profissionais para exercer a função, mas tais esforços ainda não dão conta de suprir a mão de obra necessária para tanta demanda.
Nesse cenário, a Associação Brasileira das Empresas Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames) vem buscando virar esse jogo. Há muito a ser feito, mas a entidade trabalha para ampliar a inclusão de mulheres na tecnologia por meio da entrega de certificações e selos para empresas que apoiam a diversidade em suas contratações – efeitos que só serão vistos a médio prazo se as organizações do setor realmente de comprometerem com essa causa.
O dia a dia das mulheres na tecnologia
Falando em games, na lista de adversidades, quem entra na área precisa ter, no mínimo, bastante jogo de cintura nas relações do dia a dia. Até porque há males que só as mulheres reconhecem.
De acordo com dados da terceira edição do estudo Os Principais Desafios de Mulheres na Tecnologia, 61% delas afirmam ter sofrido preconceito no ambiente de trabalho.
Tudo isso porque o machismo cria barreiras perversas. 46% das entrevistadas afirmaram ter vivido o chamado manterrupting – quando são interrompidas por homens ao argumentar; 35% disseram ter passado por situações de mansplaining, quando homens dão explicações óbvias para uma mulher; e 35% por bropriating, quando eles levam os créditos pela ideia de uma mulher.
Sem contar o assédio moral: 21% relatam ter sofrido essa forma silenciosa de agressão, enquanto 19% se queixam de ter enfrentado o gaslighting – abuso psicológico que faz mulheres duvidarem da própria sanidade.
Só que é o seguinte: a cada dia mais profissionais se juntam ao comboio feminino que levanta a tag #VaiTerLuta. E nós estamos do lado delas.
Por mais “Ninas Silvas”!
A gente podia trazer uma lista dos grandes nomes femininos que marcaram a história do desenvolvimento da tecnologia, mas hoje vamos reforçar a importância da prestigiadíssima Nina Silva. Já ouviu falar?
Ela nasceu em 1980, no Jardim Catarina, bairro por muitos anos considerado a maior favela plana da América Latina, localizado em São Gonçalo, no Rio de Janeiro.
Nina sempre teve interesse pelos números, por isso cursou Administração na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde teve seus primeiros contatos com a tecnologia.
Em seu primeiro emprego, foi convidada para integrar o núcleo da empresa que trabalhava com o sistema ERP, da SAP.
O quê?
SAP ou Software Applications and Products (aplicativos de softwares e produtos, em tradução livre) é a empresa que desenvolveu o conceito original do Enterprise Resource Planning (ou Sistema Integrado de Gestão Empresarial), para que houvesse uma solução única que fosse totalmente integrada e pudesse automatizar todos os processos ligados a uma organização.
A partir de então, aprofundou seus estudos, tirou a sua certificação e trilhou seu caminho dentro da tecnologia. E que caminho!
Nina tornou-se escritora, é CEO e uma das fundadoras do Movimento Black Money e da fintech D’Black Bank, é uma das palestrantes mais requisitadas do país e foi parar até na capa da revista Forbes, após ser reconhecida no Women in Tech, em Portugal, como Mulher Mais Disruptiva do Mundo.
Um exemplo que reforça nossas esperanças de que dias melhores virão para as mulheres na tecnologia toda vez que um título dessa importância for especialmente dedicado a uma mulher negra do setor.
Um brinde à Nina e às Ninas que escreverão as linhas da história da inovação do nosso país!