Inovações são sempre melhores quando quem as desenvolve conhece de verdade os desafios e necessidades reais do entorno a ser melhorado. Nesse cenário, ninguém melhor que os próprios povos originários à frente do desenvolvimento de tecnologias indígenas para trazer maior conforto às suas próprias vidas, não é mesmo?
Mas, para isso, o Brasil tem um longo caminho a percorrer rumo à democratização do acesso à tecnologia para esses grupos, inovadores por natureza.
Inovar é criar algo novo, é introduzir novidades, renovar. Mas também é a habilidade de transformar algo que já existe em recursos que gerem riqueza.
Um dos componentes centrais desse conceito é o conhecimento, seja ele prático, técnico ou científico. E é aí que os povos originários agregaram e têm muito ainda a agregar, especialmente se os órgãos públicos trabalharem para muni-los com tecnologia!
Mas você conhece todo o repertório dessas populações que nem precisaram do ensino superior para adquirir conhecimentos que gente da cidade grande descobre só na faculdade?
Tecnologias indígenas: os povos originários muito à frente do próprio tempo
Os povos originários do Brasil contam com uma gama de conhecimentos tecnológicos riquíssimos combinados ao longo de milhares de anos para que se adaptassem ao ambiente em que vivem.
Falamos de toda uma sabedoria anterior às assinadas pelo homem branco na arquitetura e muito antes do agro ser tech.
Abaixo, reunimos algumas áreas já dominadas por eles, quando essas populações nem sonhavam que a pólvora trazida pelos europeus faria, até hoje, tanto estrago.
Agricultura e manejo do solo: muitos indígenas desenvolveram técnicas avançadas nesse setor, como o sistema de roçado ou “slash-and-burn” (corte e queima), método que envolve a queimada controlada para renovar a fertilidade do solo;
Medicina tradicional: seus conhecimentos medicinais colaboram até hoje para o desenvolvimento farmacêutico, já que essas populações contam com um entendimento complexo das propriedades curativas das plantas para o tratamento de diversas doenças;
Construções sustentáveis: há milênios, grupos indígenas já construíam suas habitações usando materiais naturais, como a palha e o barro, com 100% de aproveitamento dos recursos disponíveis;
Tecnologias de pesca e caça: os povos originários sempre tiveram conhecimentos específicos sobre técnicas que garantem a sustentabilidade dessas atividades, evitando a superexploração dos recursos naturais;
Artesanato e tecelagem: desenvolveram técnicas tradicionais de tecelagem, tingimento e modelagem, criando objetos únicos e representativos de sua cultura;
Conhecimento do meio ambiente: entendem com profundidade os ecossistemas em que vivem, incluindo padrões climáticos, ecológicos, dos ciclos das plantas e do comportamento dos animais;
Culinária: contam com conhecimentos riquíssimos sobre o uso de ingredientes locais e o preparo de alimentos de maneira sustentável, respeitando seus ciclos naturais.
É importante reconhecer e proteger os conhecimentos tradicionais desses povos, não apenas por sua herança cultural mas também por sua contribuição potencial para a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável.
A tecnologia no desenvolvimento dos povos originários
Não dá para entender até hoje por que, na era digital, tanta gente se incomoda ao ver pessoas indígenas usando o celular nos noticiários, como se isso fizesse delas menos indígenas.
Ora, a evolução e o aumento dos níveis de consciência estão aí justamente para proporcionar mais comodidade à vida de todas as populações. Do contrário, seria o mesmo que afirmar que a cultura das argolas no pescoço das “mulheres-girafa” de algumas tribos africanas deve ser mantida, só por questão de tradição, ainda que a prática traga danos físicos conhecidos há décadas.
Os povos originários, hoje, estão em plataformas como o TikTok, Instagram, YouTube e Twitter, ocupando esses espaços justamente para se organizar em defesa de seus territórios e para levar suas bandeiras e conhecimentos para todos.
Com o acesso à internet, grupos indígenas como os Aikewara, habitantes da Região Sudeste do Pará, agora acessam editais de projetos e aproveitam para adquirir novas formações – ferramentas como o Google Meet, por exemplo, já são usadas para encontrar orientadores de programas de mestrado por meio das videoconferências, tão comuns no mundo corporativo.
Aliás, as grandes distâncias se reduziram bastante quando o assunto é o acesso à informação.
A educação ficou menos distante de alguns grupos com o uso das plataformas de Ensino a Distância (EaD). Nesse sentido, isso faz de nosso país uma nação mais democrática — mas só um pouco, já que a conectividade ainda é um conto de fadas para a enorme maioria dessas populações.
Olha o que a conectividade foi capaz de promover nas…
Terras indígenas dos suruís: uma aldeia munida com tecnologia
Almir Narayamoga, premiado líder da tribo Suruí, muito conhecido internacionalmente por unir tecnologia e tradição no combate aos crimes ambientais, decidiu visitar a sede do Google durante uma viagem a São Francisco (EUA) e conseguiu convencer a gigante global a levar conexão e tecnologia para sua comunidade.
No retorno ao país, já munido de computadores e smartphones, o que ele fez?
Ensinou sua tribo a usar os dispositivos e a partir daí, os indígenas criaram um mapa cultural com a historia e tradição dos seus povos, além de um mapa geográfico desenvolvido com o auxílio do Google Earth e do GPS com mecanismos que mostram áreas invadidas por madeireiros.
Resultado: os órgãos públicos passaram a ser sinalizados sobre pontos que deveriam ganhar reforços para o combate ao desmatamento e reflorestamento na região, localizada entre o sudeste de Rondônia e noroeste de Mato Grosso.
Esse exemplo mostra a importância da criação de…
Políticas públicas: por mais tecnologia em favor dos povos originários
Desde 2003, há maiores debates sobre a inclusão digital indígena para apoiar a conexão dessas comunidades à rede mundial de computadores. Mas, na prática, a manutenção das infraestruturas em aldeias é caríssima, os pontos existentes não duram muito tempo, e as comunidades não conseguem mantê-los – com exceção dos pontos em escolas indígenas, mantidos pelos governos estaduais.
Ou seja, no todo, os povos originários acessam a internet essencialmente quando vão à cidade e as iniciativas para que essa realidade melhore ainda ficam muito reféns de capitais filantrópicos como ocorre com o “Internet dos Povos da Amazônia”, projeto que pretende levar, em poucos anos, internet rápida a essas populações que ainda amargam sob o apagão digital.
Com a criação do Comitê para a Democratização da Informática (CDI) – organização social que trabalha em benefício de pessoas de diferentes faixas etárias, culturas, raças e etnias –, o projeto Rede Povos da Floresta implementou pontos de acesso à internet em comunidades do Acre, Amapá, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Em parceria com os Ministérios das Comunicações e do Meio Ambiente, a iniciativa atingiu direta e indiretamente mais de 120 mil pessoas, mas esses esforços não podem parar, afinal, os indígenas no Brasil são hoje mais de 1,69 milhão de pessoas, segundo dados do Censo 2022 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgados no começo deste mês (07/08).
Esse total representa 0,83% da população brasileira e os números mostram um aumento significativo em comparação aos dados do último censo, de 2010, quando o grupo somava 896,9 mil e representava 0,47% do total da população.
Como posso ajudar a causa indígena, mesmo estando longe?
Com seu engajamento nas redes sociais e o conhecimento de quem são os povos originários de verdade!
Comece seguindo essas dicas:
1. Não crie estereótipos sobre os povos originários
Como falamos acima, é muito comum ouvir pessoas não indígenas dizendo que os “índios perderam sua essência” porque possuem aparelhos eletrônicos ou que “eles só se lembram que são indígenas quando querem aparecer”.
Quem pensa assim já começou perdendo ao usar a palavra “índio”, termo que já caiu em desuso faz tempo, justamente por resumir seus vários povos em um só, especialmente em um território imerso em complexidades, como o brasileiro.
Nesse cenário, não seja “cringe”. Use sempre o termo “indígenas”.
Lembre sempre que tanto as comunidades mais desenvolvidas com acesso à internet quanto as mais tradicionais, ainda sem acesso à energia elétrica, continuam sendo indígenas.
2. Fique por dentro das leis que lhes interessam
Mantenha no radar as pautas mais importantes em defesa do grupo, como o PL 490 do Marco Temporal, que determina quais terras são territórios indígenas.
Esse papo está dando muito pano para manga, especialmente porque há muitos interesses por trás dessa lei, incluindo os da bancada ruralista da Câmara Federal. Por isso, esse PL promete movimentar muito o Senado neste segundo semestre.
A proposta é polêmica por restringir a demarcação apenas àquelas terras já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Os opositores ao texto temem que a proteção aos povos originários e ao meio ambiente fique prejudicada, enquanto os defensores apontam que a matéria pode trazer segurança jurídica e incentivar a produção agropecuária.
3. Pressione parlamentares que apoiem as causas
A presença indígena na política melhorou um pouco, é verdade, mas pode ser ainda mais representativa. Em 2020, houve um aumento de 17% de cargos ocupados por pessoas do grupo, de diferentes povos: Pataxó, Xukuru Kariri e Krenak, entre outros.
Agora, no Governo Lula Fase 3, foram criados os Ministérios dos Povos Originários, com Sônia Guajajara como ministra, além de Joênia Wapichana como presidente da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
Busque saber quais vêm sendo as iniciativas desses órgãos e sempre pesquise a vida política e as propostas dos candidatos, sem deixar de cobrar para que suas promessas saiam do papel.
4. Use suas redes
Antes do escândalo vazado sobre a situação dos yanomamis, no ano passado, a hashtag #CadeOsYanomami chamou a atenção do Congresso, que se mobilizou para investigar mais a fundo as denúncias de Júnior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi).
Nesse cenário, você pode até achar que movimentações on-line podem parecer um ativismo meio raso, mas a verdade é que a prática acaba ajudando a mobilizar e pressionar as autoridades. De cara, ainda incentiva manifestações nas ruas, que acabam se somando à onda do bem.
5. Doe
Muitos órgãos sérios trabalham na organização de campanhas para a doação de quaisquer valores em contribuição às causas dos povos originários. Entre elas estão o próprio Condisi, a Coiabi (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
O Ministério da Saúde já disponibilizou um link de cadastro para novos voluntários que queiram participar de forma mais ativa, atuando na Força Nacional do SUS. É preciso ser maior de 18 anos e cumprir alguns requisitos.
Acesse aqui o formulário de inscrição e, caso não cumpra com as exigências, só compartilhe este post que já será de grande ajuda!
Levar tecnologia aos povos cuja sabedoria sempre foi conectada à natureza precisa ser um dever.
Agora, conte para a gente, nos comentários: como você pretende se somar a essa e outras pautas de interesse dos povos originários?