O rapaz tira o celular do bolso, abre a câmera, e… click. Um vídeo curto, de poucos segundos, em instantes é enviado para meia dúzia de amigos. Um deles vê e compartilha com um grupo de maior de pessoas. Uma hora depois, são milhares. O garoto nem mais está pensando no que compartilhou. Mas, em questão de minutos, a gravação se espalha como vírus pela internet para centenas de milhares. Parece não ter fim. E não tem. É dessa forma que o filme de um bebê fazendo uma gracinha faz sucesso na rede. É dessa forma que um estupro, também. E foi desse jeito que em junho de 2016 o estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos viralizou na internet. O fato aconteceu no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro. E foi por causa dessa divulgação aberta que a polícia encontrou, e a justiça indiciou, sete jovens pelo crime. Se eles não tivessem se gabado publicamente do horror que cometeram, provavelmente estariam impunes para sempre. Mas quem, em sã consciência, divulgaria um crime na internet?
Em sã consciência, bem entendido, ninguém. E esse é o ponto de partida para responder por que alguém é capaz de confessar um crime para o mundo inteiro na internet. “Tolice digital”, resume sem meias-palavras Marc Presnky, um dos maiores pesquisadores do mundo sobre as transformações causadas na sociedade pelas mídias digitais. Segundo ele, a maioria das pessoas ainda tem a falsa impressão de que podem controlar a extensão do que fazem na internet e de que existe privacidade na rede. Não é à toa, diz ele, que tem se tornado cada vez mais comum políticos e celebridades se verem expostos em escândalos, com sua privacidade escancarada, por coisas que eles mesmos fizeram.
Não é à toa também que a postagem de imagens de crimes tenha sido cada vez mais comum em aplicativos como o Snapchat, que não permite ao usuário salvar a foto. Ela desaparece logo depois de ser visualizada. Essa característica cria uma ilusão de privacidade, de que não há como espalhar para ninguém que o criminoso não queira. Mas é um engano. As imagens desaparecem do celular, mas são guardadas no servidor do aplicativo. No ano passado, o Snapchat recebeu 1.623 pedidos de autoridades policiais de várias partes do mundo para abrir o sigilo de 3.105 contas diferentes. Mas a burrice digital citada por Prensky explica apenas uma parte da questão, a da ilusão da privacidade. No entanto, ela não esclarece por que dois jovens americanos – identificados e presos por causa das fotos no Snapchat do espancamento de uma mulher em 2014 – fizeram selfies no carro de polícia em que eram levados para a cadeia e as compartilharam.
Essa compulsão tem um motivo, segundo N. G. Berrill, diretor executivo do Centro de Neuropsicologia e Ciência do Comportamento Forense de Nova York. “É o fascínio pela fama e a excitação para chamar a atenção”, disse ele ao jornal Daily News. “O objetivo deles é tolamente sacrificar sua liberdade em troca de ganhar atenção e causar comoção.” Segundo Berrill, isso explica por que a maior parte dos casos desse tipo envolve adolescentes. “Os adolescentes são notórios em avaliar mal os riscos, preocupando-se mais em se exibir para seus pares”, complementa Pamela Rutledge, diretora do Centro de Pesquisa em Mídia e Psicologia, também em Nova York. E o problema parece estar se agravando. “A necessidade de aprovação está passando por cima de qualquer tipo de planejamento de longo prazo”, lamenta.
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