Quando foi lançado, em 1998, o filme Inimigo do Estado tirou o fôlego de muita gente que se agarrava aos braços da poltrona do cinema em meio ao frenético desenrolar da história, estrelada por Will Smith e Gene Hackman. Ao sair do cinema, vinha a sensação de alívio ao pensar que, ufa, era apenas um filme e que a tecnologia ainda estava muito longe daquilo. Apenas quinze anos depois, no entanto, o mundo descobriu com estupor que a realidade já havia superado, e muito, a ficção.
A trama é intrincada, mas, trocando em miúdos, a gravação do assassinato de um parlamentar – contrário à aprovação de uma lei que daria amplos poderes a órgãos do governo americano para espionar a vida de qualquer pessoa – vai parar na sacola de compras de um cidadão comum. O crime havia sido cometido por um grupo de agentes da NSA (a agência de segurança nacional dos Estados Unidos), que transformou a vida desse cidadão num inferno. O filme mostra uma grande quantidade de recursos tecnológicos – como satélites capazes de ler a placa de um carro – para neutralizar, perseguir, localizar e capturar o pobre coitado, que não sabia de nada.
O alívio acabou em 2013, quando Edward Snowden, até então apenas um entre milhares agentes a serviço do governo, entregou para três jornalistas milhares de documentos secretos da mesma NSA do filme. Eles provavam que os Estados Unidos não só eram capazes, mas vinham usando toda a tecnologia disponível para espionar qualquer pessoa no planeta. Na lista, estavam até amigos do Estado, líderes mundiais como a primeira-ministra alemã, Angela Merkel. E não se tratava de uma pequena e seleta lista de pessoas. A tecnologia era usada para grampear milhões de telefonemas por dia e 75% de todo o tráfego da internet americana, apenas para citar um par de exemplos. Ninguém, em tese, estava imune.
Essa sensação da falta de privacidade proporcionada pela tecnologia acendeu um debate mundial sobre privacidade. Afinal, alguém pode estar olhando. E está – inclusive com a sua autorização. Cada vez que você baixa um aplicativo no celular, ele pede autorização para ter acesso a uma série de informações, como localização e lista de contatos, entre outras. Você lê? Claro que não. Diz que sim sem olhar e, a partir desse momento, a tecnologia descobre coisas que nem você sabia sobre si mesmo.
O filme Inimigo do Estado – ainda que atual na sua proposta – parece coisa de criança comparado com o que Snowden revelou, mas é insignificante se colocado lado a lado com o que Google, Apple, Facebook e os milhares de apps coletam dos seus usuários. Eles sabem que caminho fazemos para o trabalho, com quem falamos, para quem damos carona, em que bar estamos, a que horas acordamos e dormimos. Sabem o que compramos, o que comemos, com quem nos relacionamos. Os nossos smartphones dizem tudo isso, com autorização expressa.
E para onde vai a privacidade, então?
“As companhias e suas equipes de marketing contam hoje com uma mina de ouro de informações para trabalhar em termos de internet, com softwares que os ajudam a ter uma ideia melhor de como clientes em potencial estão interagindo com o seu negócio”, reconhece Jayson DeMers, presidente da Audience Bloom, empresa americana especializada em ajudar empresas a ter uma presença mais eficiente na internet. “No entanto, o outro lado da moeda é que nem todo mundo quer ter suas informações a céu aberto”.
Ele defende a existência de leis que ponha um limite na invasão de privacidade, mas ressalva que “nem todas as empresas querem explorar as informações pessoais” dos clientes. “Dados podem ajudar a desenvolver produtos e serviços mais adequados às necessidades das pessoas”, afirma. “Mas enquanto a internet continuar sendo uma espada de dois gumes, o relacionamento entre a Web e seus usuários continuará instável”.