O que vem à sua cabeça quando você lê as palavras afro ou África?
Se você pensou em povos canibais semidespidos, é hora de rever os seus conceitos. Você caiu no golpe perversamente plantado por colonizadores no ideário global para manter a distância social entre brancos e pretos.
Mas, agora, é hora de vencer a ingenuidade (e seus próprios preconceitos!).
Quando a gente pensa em ficção científica, visualizamos um futuro de naves espaciais, robôs e edificações futuristas, marcado por uma ideologia ocidental que “esqueceu” de incluir pessoas negras no mundo do entretenimento de Os Jetsons e Exterminador do Futuro, não é mesmo?
Dentre tiros a laser e carros voando, repare que essa vertente raramente embala sua narrativa na tentativa de incluir e melhorar a condição de vida da enorme parcela oprimida das populações. Por isso, Pantera Negra, por exemplo, vai muito além de um “filme de super-heróis”. O longa é um autêntico representante do afrofuturismo para o grande público, abordando a cultura africana com seus embates sociais com as vestes da ficção científica.
Mas quando a pauta é afrofuturismo, não é só sobre isso.
Entenda!
Afrofuturismo: o que é?
Afrofuturismo é um movimento cultural, social e político que promove o encontro entre tecnologia, ficção científica, realismo fantástico, mitologia, ancestralidade e a diáspora africana.
Diáspora? Sim! O conceito dá conta da história que teve que ser reescrita por homens, mulheres e crianças em outros países, após sequestrados do próprio continente para manter o continuísmo dos regimes escravocratas em benefício das populações europeias.
A partir do afrofuturismo, a ausência de pessoas negras no futuro teve seus dias contados quando o crítico cultural, Mark Dery, cunhou o termo no mundo acadêmico em 1993, valorizando a ancestralidade africana sem abrir mão da tecnologia.
Sua maior crítica era: “onde estão os afro-americanos no futuro, na ficção científica?”. Mas, antes dele, muita gente foi responsável por construir essa corrente.
Quem é quem por trás do afrofuturismo?
Na década de 60, o compositor de jazz e filósofo Sun Ra (1914-1993), considerado o mentor do movimento, afirmava publicamente que tinha sido raptado por extraterrestres de Saturno e regressado com a missão de libertar os povos africanos do racismo e da opressão. “Para tornar o mundo um lugar melhor por meio da música instrumental espacial, que anuncia mundos mais felizes”, ele dizia.
O artista mesclou a música instrumental com a eletrônica ainda na década de 50, e se mantém até hoje como um dos maiores ícones da contracultura norte-americana.
A escritora afro-americana Octavia Butler (1947-2006), considerada a rainha da vertente, consagrou-se por se dedicar à literatura antiracista e feminista com forte olhar para o desenvolvimento de narrativas que quebram, até hoje, os velhos padrões excludentes da ficção científica.
Sua trajetória conta com dezenas de premiações e mais de 20 obras, com destaque para Kindred, de 1979, seu livro mais vendido. Nascida na Califórnia, no auge da segregação racial nos Estados Unidos, ela dizia “comecei a escrever sobre poder porque era algo que eu tinha muito pouco”.
Como legado, a escritora move a educação norte-americana até os dias atuais: seu nome assina a bolsa de estudos “Octavia Butler”, que beneficia centenas de estudantes negros inscritos nas oficinas de escrita onde a autora foi aluna e, mais tarde, professora.
Todo esse movimento ganhou doses representativas de reforço quando a Marvel, enfim, deu protagonismo ao negro nos quadrinhos do Pantera Negra.
Embora o personagem se origine dos criadores brancos, Stan Lee e Jack Kirby, a série mergulhou de cabeça nos conceitos afrofuturistas quando foi entregue aos escritores negros Ta-Nehisi Coates (responsável pelo enredo de 2015) e Nnedi Okorafor, o atual escritor.
O afrofuturismo ganhou novos adeptos, especialmente com a consolidação do movimento Black Lives Matter, iniciado após a série de mortes brutais decorrentes da violência policial gratuita contra negros em 2020, infelizmente registradas em curto espaço de tempo.
Artistas como Janelle Monáe estão à frente da nova ordem futurista. Nas letras de suas músicas, a cantora se refere a um alter ego vindo do ano de 2719 chamado Cindi Mayweather, uma androide sentenciada à desmontagem por se apaixonar por um humano. Ela utiliza a imagem com influência de vários ritmos negros e mensagens sobre autoaceitação enquanto ferramenta de luta.
O Afrofuturismo no Brasil
Por aqui, intelectuais brasileiros como Alê Santos, roteirista e escritor, defendem que o movimento vem para retomar a identidade do passado para criar a ideia de futuro, colaborando para que a população negra possa sentir o orgulho de suas raízes – sentimento roubado quando homens brancos impuseram apenas a escravidão a suas histórias.
Para Alê, o afrofuturismo destrói a ideia de que o passado das populações pretas é composto apenas por sofrimento e miséria, como é retratado na maioria das obras de entretenimento, tornando-se uma forte ferramenta na luta contra o racismo.
“A narrativa afrofuturista esteve presente na construção do hip hop com Afrika Bambaataa, um dos precursores do gênero. Há também alguns artistas, como o Basquiat, que tenta conectar a ancestralidade com um imaginário da rua. O próprio Michael Jackson já tinha várias ideias de futuro e isso aparecia em suas músicas e clipes”, compartilha.
Um marco da produção brasileira na literatura no gênero foi o livro “Ritos de Passagem”, de Fábio Kabral, lançado em 2014.
Segundo a crítica, ainda é cedo cravar uma cara para o afrofuturismo brasileiro no universo literário, no entanto, muitas obras guardam uma característica comum ao estilo: passam-se no futuro ou em terras fantásticas e tratam de questões ligadas ao presente, com forte contestação sobre o lugar do negro na pirâmide social.
No todo, mais do que uma corrente estética ou cultural, o movimento vem para mostrar utopias possíveis para o povo preto.
E se você curtiu esse post, é hora de somar nessa causa legítima para a ocupação do negro nos espaços do futuro: só compartilhe e encha as redes de gente preta nas plataformas digitais!