Afrofuturismo: o que é?

3 de janeiro de 2023

O que vem à sua cabeça quando você lê as palavras afro ou África?

Se você pensou em povos canibais semidespidos, é hora de rever os seus conceitos. Você caiu no golpe perversamente plantado por colonizadores no ideário global para manter a distância social entre brancos e pretos.

Mas, agora, é hora de vencer a ingenuidade (e seus próprios preconceitos!).

Quando a gente pensa em ficção científica, visualizamos um futuro de naves espaciais, robôs e edificações futuristas, marcado por uma ideologia ocidental que “esqueceu” de incluir pessoas negras no mundo do entretenimento de Os Jetsons e Exterminador do Futuro, não é mesmo?

Dentre tiros a laser e carros voando, repare que essa vertente raramente embala sua narrativa na tentativa de incluir e melhorar a condição de vida da enorme parcela oprimida das populações. Por isso, Pantera Negra, por exemplo, vai muito além de um “filme de super-heróis”. O longa é um autêntico representante do afrofuturismo para o grande público, abordando a cultura africana com seus embates sociais com as vestes da ficção científica.

Mas quando a pauta é afrofuturismo, não é só sobre isso.

Entenda!

Afrofuturismo: o que é?

Afrofuturismo é um movimento cultural, social e político que promove o encontro entre tecnologia, ficção científica, realismo fantástico, mitologia, ancestralidade e a diáspora africana.

Diáspora? Sim! O conceito dá conta da história que teve que ser reescrita por homens, mulheres e crianças em outros países, após sequestrados do próprio continente para manter o continuísmo dos regimes escravocratas em benefício das populações europeias.

A partir do afrofuturismo, a ausência de pessoas negras no futuro teve seus dias contados quando o crítico cultural, Mark Dery, cunhou o termo no mundo acadêmico em 1993, valorizando a ancestralidade africana sem abrir mão da tecnologia.

Sua maior crítica era: “onde estão os afro-americanos no futuro, na ficção científica?”. Mas, antes dele, muita gente foi responsável por construir essa corrente.

Quem é quem por trás do afrofuturismo?

Na década de 60, o compositor de jazz e filósofo Sun Ra (1914-1993), considerado o mentor do movimento, afirmava publicamente que tinha sido raptado por extraterrestres de Saturno e regressado com a missão de libertar os povos africanos do racismo e da opressão. “Para tornar o mundo um lugar melhor por meio da música instrumental espacial, que anuncia mundos mais felizes”, ele dizia.

O artista mesclou a música instrumental com a eletrônica ainda na década de 50, e se mantém até hoje como um dos maiores ícones da contracultura norte-americana.

#PraTodosVerem: colagem colorida, da capa do disco de Sun Ra lançado pela editora londrina Art Yard, que colocou os dois volumes de Lost Arkestra em um único pacote. O fundo da capa é rosa, no topo do lado esquerdo está escrito “Sun Ra” e em volta, símbolos da cultura de origem africana. Imagem: Reprodução.

A escritora afro-americana Octavia Butler (1947-2006), considerada a rainha da vertente, consagrou-se por se dedicar à literatura antiracista e feminista com forte olhar para o desenvolvimento de narrativas que quebram, até hoje, os velhos padrões excludentes da ficção científica.

Sua trajetória conta com dezenas de premiações e mais de 20 obras, com destaque para Kindred, de 1979, seu livro mais vendido. Nascida na Califórnia, no auge da segregação racial nos Estados Unidos, ela dizia “comecei a escrever sobre poder porque era algo que eu tinha muito pouco”.

Como legado, a escritora move a educação norte-americana até os dias atuais: seu nome assina a bolsa de estudos “Octavia Butler”, que beneficia centenas de estudantes negros inscritos nas oficinas de escrita onde a autora foi aluna e, mais tarde, professora.

#PraTodosVerem: fotografia em preto e branco da escritora Octavia Butler, em 1979, ela está ao centro da imagem, usando uma camiseta manga longa e ao fundo  uma estante de livros, na parede surgem círculos coloridos com a imagem das galáxias. Reprodução: Lithub.  

Todo esse movimento ganhou doses representativas de reforço quando a Marvel, enfim, deu protagonismo ao negro nos quadrinhos do Pantera Negra.

Embora o personagem se origine dos criadores brancos, Stan Lee e Jack Kirby, a série mergulhou de cabeça nos conceitos afrofuturistas quando foi entregue aos escritores negros Ta-Nehisi Coates (responsável pelo enredo de 2015) e Nnedi Okorafor, o atual escritor.

#PraTodosVerem: desenho colorido do primeiro Pantera Negra, da Marvel, para hq’s. O fundo da imagem é amarelo e o Pantera está ao centro, à sua volta surge um efeito de várias listras que dá a sensação de movimento para a imagem. Reprodução: Segredos do Mundo

O afrofuturismo ganhou novos adeptos, especialmente com a consolidação do movimento Black Lives Matter, iniciado após a série de mortes brutais decorrentes da violência policial gratuita contra negros em 2020, infelizmente registradas em curto espaço de tempo.

Artistas como Janelle Monáe estão à frente da nova ordem futurista. Nas letras de suas músicas, a cantora se refere a um alter ego vindo do ano de 2719 chamado Cindi Mayweather, uma androide sentenciada à desmontagem por se apaixonar por um humano. Ela utiliza a imagem com influência de vários ritmos negros e mensagens sobre autoaceitação enquanto ferramenta de luta.

#PraTodosVerem: retrato colorido da cantora Janelle Monáe, a artista está usando um terno moderno, o seu paletó vermelho com detalhes brilhantes no ombro, por baixo uma camisa branca com uma gravata adaptada, como se fosse uma laço preto  com uma flor em cima. Ela está de cabelo curto, liso e  penteado de lado. Reprodução: O Globo.

O Afrofuturismo no Brasil

Por aqui, intelectuais brasileiros como Alê Santos, roteirista e escritor, defendem que o movimento vem para retomar a identidade do passado para criar a ideia de futuro, colaborando para que a população negra possa sentir o orgulho de suas raízes – sentimento roubado quando homens brancos impuseram apenas a escravidão a suas histórias.

#PraTodosVerem: retrato colorido de Alê Santos, ele está encostado na parede, branca, de braças cruzados, com uma expressão alegre, sorrindo. Ele está vestindo uma camisa de manga curta com estampa floral, com tons terrosos. Reprodução: Mundo Negro.

Para Alê, o afrofuturismo destrói a ideia de que o passado das populações pretas é composto apenas por sofrimento e miséria, como é retratado na maioria das obras de entretenimento, tornando-se uma forte ferramenta na luta contra o racismo.

“A narrativa afrofuturista esteve presente na construção do hip hop com Afrika Bambaataa, um dos precursores do gênero. Há também alguns artistas, como o Basquiat, que tenta conectar a ancestralidade com um imaginário da rua. O próprio Michael Jackson já tinha várias ideias de futuro e isso aparecia em suas músicas e clipes”, compartilha.

#PraTodosVerem: fotografia colorida da cena icônica do clipe Thriller, de 1983, de Michael Jackson. Ele está cantando e dançando com sua roupa vermelha com algumas listras pretas no casaco. À sua volta os demais dançarinos vestidos de zumbis, dançam ao som  da música. Reprodução: Tenho mais discos que amigos.

Um marco da produção brasileira na literatura no gênero foi o livro “Ritos de Passagem”, de Fábio Kabral, lançado em 2014.

Segundo a crítica, ainda é cedo cravar uma cara para o afrofuturismo brasileiro no universo literário, no entanto, muitas obras guardam uma característica comum ao estilo:  passam-se no futuro ou em terras fantásticas e tratam de questões ligadas ao presente, com forte contestação sobre o lugar do negro na pirâmide social.

No todo, mais do que uma corrente estética ou cultural, o movimento vem para mostrar utopias possíveis para o povo preto.

E se você curtiu esse post, é hora de somar nessa causa legítima para a ocupação do negro nos espaços do futuro: só compartilhe e encha as redes de gente preta nas plataformas digitais!

Fonte: Dialogando - Afrofuturismo: o que é? Dialogando

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