Se não tiver “tiro, porrada e bomba”, não vale, não é mesmo? Na reta final do BBB 23, ficamos nos perguntando por que o segmento de reality shows faz tanto sucesso e se há um motivo comum para as pessoas assistirem às “novelas da vida real” como se não houvesse amanhã.
Daí, avaliamos uma série de estudos com insumos muito interessantes que nos fizeram chegar à neurociência.
Antes de explicar o conceito, uma coisa é fato: entre fãs e haters, simpatizantes ou não, acompanhar a vida alheia vai além de uma mera curiosidade e, segundo especialistas, a fofoca e o interesse por informações são biológicos e, até certo ponto, automáticos.
Avaliações mais críticas dizem que reality shows “são retratos fiéis do mundo em que vivemos, onde a morte do sujeito, a fugacidade das experiências, a desvalorização da história e o culto à imagem são difundidos sem análise crítica ou reflexão”.
O trecho acima foi retirado do estudo Reality shows: uma abordagem psicossocial (Millan, Marília. 2006), que diz ainda que “o espectador é iludido ao acreditar que está vendo a realidade, o que lhe confere uma sensação prazerosa. Porém, na verdade, o que se vê é o resultado do desenvolvimento de estratégias de técnicas televisivas que visam mimetizar o real, produzindo um programa repleto de ambiguidades que mais se aproximam dos mitos e da novela-documentário”.
Mas até que ponto o ato de bisbilhotar o “quintal do vizinho”, até pela TV, é saudável e em que momento pode ser prejudicial?
Quem assiste ao BBB no Brasil?
Antes de entrarmos nos aspectos psicossociais, vamos entender alguns pontos!
Reality show no Brasil: quem assiste ao BBB por aqui?
O Buzzmonitor – plataforma para gestão de social media e atendimento multicanal – foi atrás para descobrir.
Com base em comentários feitos por usuários do Twitter – rede que movimenta torcidas fanáticas pelo programa –, mais da metade do público (60%) são mulheres. Já a maior parcela dos usuários que não gosta de assistir, é formada por homens (62%).
As localizações onde o interesse do público predomina fica assim: 43% daqueles que consomem o reality moram nas regiões Sudeste e Sul, seguido pelo Nordeste (38%). Sudeste e Sul também apresentaram, em contrapartida, os maiores volumes de pessoas que não assistem ao programa (51%).
O estudo, feito no ano passado, ainda revelou mais. Os brasileiros que relataram não assistir ao BBB se mostraram mais interessados por temas como política e saúde, incluindo a Covid. 20% desses usuários citaram as eleições em seus perfis: 84%, o ex-presidente Bolsonaro e 71%, o presidente Lula.
Quando o assunto é religião, 86% dos usuários da rede social que assistem ao programa citaram mais Deus dos que os que não assistem (79%).
Aliás, lembra da polêmica da edição deste ano, quando Cristian, Cowboy e Key manifestaram intolerância religiosa apenas por desconhecerem as crenças do brother Fred Nicácio – o Culto de Ifá, religião de matriz africana?
Nossa! Foi bem feio, não é mesmo?
Mas, voltando! Em 2021, cerca de 40 milhões de pessoas assistiram à atração todos os dias, o equivalente a quase um quinto da população brasileira – o número foi o melhor desde 2012. Mas a média de 27,3 pontos daquela edição passou longe do recorde do BBB 5, até hoje o mais visto da história, com 47 pontos no ibope.
Em resumo, esses números provam que o Brasil é o país mais viciado no programa que, mesmo em duas décadas de exibição, teve índices de audiência imbatíveis entre os 70 países onde é exibido.
O país da novela? Por que tanta gente assiste ao BBB no Brasil?
As opiniões de especialistas se dividem, mas uma coisa é fato: no país expert na produção e exportação de novelas, há quem garanta que também somos os melhores nas edições de reality shows.
Aí, fica fácil: tudo o que é editado pelos profissionais por trás dessas produções – especialistas em telenovelas – é roteirizado para dar muito mais calor às narrativas das “novelas da vida real”. Nesse caso, durante o ao vivo, nem conte com a entrega da representação fiel à realidade vivida dentro da casa mais vigiada no Brasil.
Mas há outro fator típico do nosso povo – voluntariamente, adoramos interagir coletivamente. Prova disso foi a eliminação dramática da cantora Karol Conka, eliminada na edição de 2021 com 99,17% dos votos após enfrentar Arthur e Gilberto em um paredão histórico, com mais de 200 milhões de votos.
No todo, há também outro ponto a observar. Segundo analistas, há uma mania enraizada na cultura nacional de deixar a televisão ligada na emissora da família Marinho, independentemente da programação, o que colabora para que o país “ostente” devotos do BBB de norte a sul.
Colabora ainda o fato de o Big Brother ser transmitido logo após a novela das 21h, herdando os telespectadores do folhetim — historicamente o carro-chefe da TV nacional.
Mas e aquele papo de neurociência? O que tem a ver com tudo isso?
A neurociência nisso tudo
Há um fato inegável na história da evolução da humanidade – amamos histórias, desde os tempos mais remotos, nos mais diversos formatos: lendas contadas ao redor da fogueira, peças teatrais, filmes, livros, folhetins, seriados, radionovelas, telenovelas.
Não importa como, histórias sempre despertaram a atenção das pessoas. E a neurociência – eixo que estuda o sistema nervoso, suas funcionalidades e analisa o comportamento e as emoções humanas – já tem algumas descobertas que explicam por que tanta gente assiste ao BBB e a outros reality shows no Brasil.
Vamos entender as reações cerebrais quando nos sentimos envolvidos com uma história:
- Nessa situação, nosso cérebro passa por um fenômeno chamado acoplamento neural. Mas o que é isso?
- É quando nossos neurônios-espelho (células que nos fazem repetir o comportamento que observamos no outro) são ativados, fazendo com que nosso cérebro deixe de interpretar a narrativa como um espectador e passe a reagir como alguém que está vivendo aqueles acontecimentos.
- É aí que entramos no chamado arco dramático do enredo – introdução –> complicação –> clímax –> resolução –> encerramento – e passamos a viver um jogo de emoções promovido basicamente por dois hormônios produzidos pelo nosso organismo: a oxitocina e o cortisol.
- A partir daí, quando surge o protagonista de uma história, dá-lhe sentimentos! É nesse momento em que somos apresentados ao seu contexto de vida – origem, traumas, crenças, sonhos – e assim absorvemos toda a carga emocional que esse personagem traz para a narrativa. Essa relação de proximidade faz com que nosso corpo libere oxitocina e ative regiões cerebrais responsáveis por aquilo que conhecemos como empatia.
- Conforme a história vai evoluindo, o personagem central sempre passa por algum incidente que o coloca em situação de risco. Aí, quem entra em cena é o cortisol, conhecido também como o hormônio do estresse, que provoca em nosso corpo a sensação de angústia. O hormônio faz com que o cérebro foque na situação, e é por isso que nos sentimos envolvidos e apreensivos com a história.
Interessante, não é mesmo?
Agora, vale entendermos quando o consumo de reality shows como o BBB merece nossa atenção.
Quando assistir ao BBB pode ser prejudicial?
Novas produções são lançadas constantemente na TV e nas plataformas de streaming e o espectador tem acesso a todas as temporadas e episódios de séries, como “Game of Thrones”, na hora que preferir.
Ainda que isso possa parecer glorioso para os fãs, entre especialistas em saúde causa um pouco de preocupação. Nesse cenário, o debate vai para além das pessoas que assistem ao BBB. Se estende para o alto consumo de telas no geral (incluindo as de smartphones).
É necessário manter o radar ligado, especialmente quando as longas sessões televisivas se tornam uma norma, substituindo o tempo dedicado a exercícios físicos, ao convívio social e ao próprio sono.
Estudos desenvolvidos pela Universidade Estadual do Michigan (EUA) identificaram uma conexão entre o consumo excessivo de telas e as más escolhas de estilo de vida e as opções por refeições não saudáveis e comportamentos sedentários.
Daí a preocupação dos profissionais da área da saúde, que veem no alto consumo de séries e filmes um grande vilão, que pode afetar, inclusive, o sistema cardiovascular, a visão, as capacidades sociais e os padrões de sono, deflagrando outros problemas.
A recomendação principal é sempre equilibrar o tempo dedicado ao entretenimento e a outras exposições diante as telas com práticas esportivas, momentos de interação social e lazer.
Mas e você, como vem reagindo aos reality shows, hein?
Fica até nervoso se passar meia hora longe do pay-per-view ou seu coração fica de boas?
Conte para a gente nos comentários, e aproveite para conferir o podcast Bem-estar digital, com dicas valiosos para a aquisição de novos comportamentos em um mundo cada vez mais conectado!