Até o dia 7 de setembro de 1968, o feminismo era visto apenas como um movimento de uma minoria de mulheres mal-amadas e desobedientes. Naquele dia, no entanto, um grupo de apenas 400 mulheres, mais um punhado de militantes do movimento pelos direitos civis, resolveu fazer barulho e protestar em frente ao Centro de Convenções de Atlantic City, no estado americano de Nova Jersey, onde seria realizada a final do concurso de beleza Miss Estados Unidos. O mote da manifestação era condenar a exploração do corpo da mulher, o racismo (afinal, nunca uma negra havia sido finalista) e a opressão dos homens. Teria sido só mais um protesto no país – que no mesmo tumultuado ano viu os assassinatos de Martin Luther King e Robert Kennedy, em meio à Guerra do Vietnã – não fosse o espetacular destaque que jornais e canais de televisão do mundo todo deram ao protesto. Depois desse dia, o movimento feminista nunca mais seria o mesmo, ganhando apoio e acumulando conquistas em suas reivindicações – o que provou a força dos meios de comunicação em causas importantes.
A cena mais marcante dessa manifestação – e a mais lembrada até hoje, quase cinquenta anos depois – foi a queima de sutiãs pelas manifestantes, num gesto simbólico contra ícones machistas. O problema é que isso jamais aconteceu. Nenhuma mulher colocou fogo naquele dia em qualquer peça de roupa. No entanto, o mito virou fato e dura até hoje – o que mostra como a verdade sobre o movimento feminista ainda é torpedeada por boatos e informações equivocadas.
A internet, no entanto, parece estar ajudando a mudar isso. Afinal, cada pessoa tem o poder de difundir ideias, informações e opiniões antes restritas a pequenos e ricos detentores da informação. Por isso, o ambiente on-line vem permitindo o crescimento não de um, mas de vários movimentos feministas, com matizes, ideologias, abordagens e necessidades diferentes – de aborto e maternidade a estupro e erotização das princesas de desenhos animados. Em 1968, eram 400 mulheres nas ruas. Meio século depois, são milhões numa rua, que, agora, é digital.
Se nos anos 60, era uma guerra do exército das mulheres contra o dos homens, atualmente trata-se de uma guerra de guerrilhas, com múltiplos fronts. O feminismo digital tem vencido algumas dessas batalhas, por sinal. Um exemplo da eficiência on-line é o do Change.org, uma ONG americana, que, com mil tweets e menos de 10 mil assinaturas em um abaixo-assinado, fez a Disney tirar do mercado uma camiseta para meninas com os dizeres “Preciso de um herói” – enquanto a camiseta para meninos dizia “Seja um herói”.
Outro exemplo vem da comunidade on-line Ultraviolet. O movimento conseguiu fazer a fabricante de tênis Reebook demitir seu embaixador mundial, o rapper Rick Ross, que fez apologia do estupro em uma música. O próprio artista se desmanchou em desculpas. “Antes de ser um artista, sou pai, filho e irmão de algumas das mulheres mais adoráveis do mundo”, disse ele após perder o contrato, acrescentando que sua música que banalizava o estupro foi um dos “maiores erros e arrependimentos” de sua vida.
Atualmente, o ambiente digital é multifacetado e permite a atuação em massa de movimentos específicos, de causas específicas, que se perderiam em organizações e movimentos maiores, com suas assembleias e reuniões. Assim, junto com a facilidade de se expressar e a rapidez de disseminação de ideias e informações, diferentes vertentes surgiram. A internet é uma cidade de endereços, especialmente no Facebook, com milhares de seguidores e centenas de milhares de curtidas, como o ‘Feminismo sem Demagogia’, ‘Coerência Feminina’, ‘Feminismo Radical Didático’, ‘Feminismo Poético’, ‘Feminismo Periférico’, ‘Feminismo Negro’, além de grupos fechados e blogs, como ‘Blogueiras Feministas’, ‘Lugar de Mulher’, entre outros, para provar que o ativismo feminista na internet é um caleidoscópio de ideias.
Foi o mundo que ficou mais complexo e pior ou foram as novas tecnologias de comunicação que estão expondo cada vez mais claramente o dramático peso que recai sobre as mulheres? Seja qual for a resposta, ela está sendo escrita em sites e redes sociais a cada minuto e mostrando que os inimigos da igualdade estão em toda parte. “A falsa informação sobre a queima de sutiãs serviu para menosprezar as mulheres, como se estivessem protestando contra algo menor”, lamenta a cineasta americana Jennifer Lee, diretora do documentário Feminist: Stories from Women’s Liberation, embora ela seja mais conhecida pelo Oscar na animação Frozen, também um desenho feminista.
“Desinformação e mitos costumam a ser usados para ocupar na nossa memória o espaço deixado pelos fatos de que não nos lembramos”, disse ela à revista americana Time. “Ficou na nossa cultura a lembrança negativa de que feministas são queimadoras de sutiãs”, acrescentou. Com a alta mobilização na internet, aumentam as chances de impedir que a mentira prevaleça sobre a verdade. Cada um desses e outros sites, blogs e páginas de Facebook reúne pessoas empenhadas em promover mudanças. São milhares e milhares. Multifacetado como um caleidoscópio, o movimento feminista digital é hoje uma reunião de pequenos espelhos, aparentemente desconectados, que parecem pouco sozinhos, mas que produzem no conjunto um efeito arrebatador. É preciso apenas saber olhar.
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