Amor preto, empoderamento e cura: o que o Denga Love tem a ver com isso?

14 de novembro de 2023

Todo mundo gosta de um dengo, e não por menos. O sentido da palavra – do grupo etnolinguístico localizado principalmente na África Subsaariana – é “lamentação infantil”, “manha”, “meiguice””. Mas na língua quicongo, falada pelos povos do norte da Angola, seu significado é bem mais profundo e ancestral: dengo é um pedido de aconchego no outro em meio ao duro cotidiano. Daí o surgimento de um app que já é sucesso entre as pessoas pretas do nosso país em favor do chamado “amor preto”: o Denga Love.

O aplicativo de relacionamento surge em um momento importante para nós. E digo “nós” enquanto mulher negra que agora desenvolve para você este conteúdo.

“Nós” por saber que muita gente que assumiu as madeixas crespas, por muitos anos achou que o próprio cabelo era feio. Que o nariz era feio e que não cabia em lugares comuns onde quase sempre estão só os protagonistas brancos das novelas da TV – restaurantes, clubes, universidades… (bom, nesse caso, a arte, infelizmente ainda imita a vida, já que, nesses espaços, ainda somos a enorme minoria).

Na altura de meus quase 40 anos e com mais de 20 com o cabelo black, esse não é meu caso. Mas se é o seu, que agora nos lê, sinta-se, antes de tudo, abraçado!

Vamos entender, um pouco, quais as defesas do movimento negro para o…

Amor preto ou afrocentrado

#PraTodosVerem: fotografia colorida de um casal afrocentrado contente, sentado ao chão. Eles estão encostados em uma parede branca e seguram um papel em formato de coração.

Tem um tema causando rebuliço nas redes. Falamos das defesas por trás do “relacionamento afrocentrado”, também chamado de “amor preto”.

O conceito busca chamar nossa atenção – a das pessoas negras – para que a gente possa ver no gesto de amar, um ato para além do romance, mas uma alternativa de fugir da lógica colonial e eurocêntrica que nos foi imposta como padrão de beleza e sucesso.

Voltando algumas casas atrás, bora falar em história. Sempre estivemos cercados de estereótipos. As coisas melhoraram? Sim. Um pouco. Mas, vistos ainda como massa de mão de obra, nossos corpos permanecem quase sempre hipersexualizados e desumanizados – razões que fizeram muitos dos nossos desacreditar que somos dignos de ser amados.

É como se o afeto não fosse algo tangível à nossa realidade até hoje.

Fale a verdade: quantas vezes você mesmo viu a namorada nova de um jogador de futebol negro, quase sempre uma modelo branca, e pensou: “se ele não tivesse dinheiro, queria ver se ela estaria com ele!”. Ou ao contrário: quando viu uma mulher negra com um homem branco e logo ouviu alguém dizer: “essa teve sorte!”.

Aline Wirley, que o diga! A cantora e ex-BBB, da edição deste ano, sofreu agressões de todos os níveis por ser casada com um homem branco considerado bonito pela opinião pública. “Mucama!”, “escravinha” e “chaveiro de branco” foram apenas alguns dos ataques sofridos em plataformas como o Twitter e o Instagram.

#PraTodosVerem: reprodução do Instagram da cantora e ex-participante do BBB, Aline Wirley, que pede respeito e diz que não vai tolerar as agressões gratuitas das torcidas adversárias do reality show.

Nesse cenário comum à nossa existência, ícones da luta negra como a escritora norte-americana Bell Hooks destacam que o amor preto – aquele que envolve duas (ou mais) pessoas negras – tem um poder de cura capaz de romper com a perpetuação de dores e violências.

Amor preto e racismo estrutural

Especialistas em relacionamentos amorosos afirmam que o racismo estrutural influencia desde o amor-próprio até a maneira como nós, pessoas negras, se relacionam com outras pessoas – daí os desafios de nos relacionarmos com gente da nossa cor em uma sociedade que desvaloriza a estética e a capacidade do negro, no todo.

Se o ato de se relacionar com um branco não tiver relação com um falso sentimento de poder ou sucesso, tudo bem. E veja! Ninguém aqui está criminalizando as relações inter-raciais.

No todo, quando um negro se relaciona com seu semelhante, eis que é criada uma forma de aquilombamento: um lugar onde um indivíduo conhece as dores do outro.

Sabe aquela agressão discreta, que certamente uma pessoa branca, em seu lugar de trabalho, escola ou faculdade jamais vai perceber?

Uma diferença sutil na forma como te tratam, ou, às vezes, absolutamente escancarada quando um lojista ou atendente, simplesmente, te dá a mínima atenção naquele espaço comercial?

É sobre essa e outras (muitas!) coisas.

Estar ao lado de quem se reconhece pelas dores reais do nosso povo é poder se apoiar e chorar junto, se necessário, é enxergar nossos traços com mais cuidado e beleza, ao invés dos olhares racistas da sociedade – movimento que revigora a autoestima, empodera e que, por isso, faz com que a manifestação do amor preto seja um ato revolucionário!

Revolução que está dando milhares de matches lá no…

Denga Love – o app do amor preto

“Chegamos para resgatar o sentido do Amor Preto. Denga é amor”, “Você merece amar e receber amor. Merece ter conversas saudáveis e conhecer pessoas que respeitam sua caminhada…” Essas são algumas das frases que abraçam os navegantes ao chegarem na plataforma.

A ideia de desenvolver um aplicativo apenas voltado para as pessoas negras surgiu em 2022, após Fillipe Dornelas, seu idealizador, com dez anos na área da tecnologia, desenvolver a ideia do negócio.

#PraTodosVerem: retrato de Filipe Dornelas, desenvolvedor do app Denga Love.

Fillipe já tinha vontade de trabalhar com algo que tivesse algum impacto social, mas a coisa só engrenou quando ele foi dispensado do emprego em uma multinacional. Resultado: seu dinheiro de rescisão e a venda da moto foram os responsáveis pelo investimento inicial do empreendimento.

Mas sabe qual foi o maior motivo para que amor preto estivesse no centro da ideia do seu app?

Os dados.

Ele identificou que, embora 56% da população se autodeclare preta ou parda, segundo dados do IBGE, não é em todos os ambientes da sociedade que essa distribuição se repete. Certo, mas até aí, um passeio rápido pelas regiões dos centros expandidos das capitais já dá conta de responder, não é mesmo?

Fato é que Fillipe percebeu que pessoas negras não se sentem incluídas nas plataformas, e até disse que esbarrou muito nesse problema.

“Quando usei um app no ano passado, passei por situações muito chatas, até mesmo de racismo”, conta.

Para criar o empreendimento, Dornelas foi atrás de mais dados para justificar seu invento e encontrou um estudo da Associação Americana de Psicologia, que mostra que pessoas negras contatam dez vezes mais pessoas brancas do que o contrário, além de levantamentos da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, apontando que aplicativos de namoro podem reforçar preconceitos raciais.

Pronto: estava dada a largada rumo ao sucesso. Em poucos meses, sua ideia já contava com 100 mil usuários dando matches adoidados na rede!

E o app não perde nenhuma possibilidade para unir casais com a nossa pigmentação.

Sabe aquele preto ou aquela preta que é “seu número” e está ali, sentada (ou de pé), dentro do ônibus? Não fique encabulado. Essa pode ser sua chance!

Em agosto deste ano, o Denga Love lançou a campanha “Paixão de Busão”, em parte do transporte público de São Paulo, com foco nas linhas que circulam entre as Zonas Leste e Sul, que possuem o maior número de pessoas negras na cidade.

Um dos objetivos é apresentar as ferramentas que podem ajudar a se conectar com aquela paquera de ônibus usando a linha de busca por localização.

Não é sensacional?

#PraTodosVerem: fotografia colorida de um casal afrocentrado de mulheres que aparecem sorrindo, com feição terna, e os rostos encostados.

Bom! Eu tentei trazer alguns motivos pra você embarcar nessa onda do amor, e poderia listar muitos outros. Mas para você não falar “xi, textão”, vou parar por aqui.

Só não se esqueça de que agora é com você: escolha as melhores fotos, pense nas palavras que melhor te descrevam e EMPODERE-SE, afinal:

Preto não nasce, preto estreia!

Fique com a gente ao longo de todo o mês da Jornada Negras Raízes – celebrando diversidade e consciência e PARTIU nos amar!

Até a próxima!

Fonte: Dialogando - Amor preto, empoderamento e cura: o que o Denga Love tem a ver com isso? Dialogando

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