Por Nayara de Deus
Veio parar aqui porque vem ouvindo os termos incels ou red pills e nem faz ideia de suas relações com a misoginia e os ataques à cultura feminista?
Então se prepare, porque vem mais um tema daqueles que a gente julga vergonhoso ter que trazer como pauta já no século XXI.
Você sabe que nós amamos tecnologia, mas enquanto o advento da internet permitiu que grupos marginalizados pudessem se organizar e fortalecer suas pautas, essa vantagem também passou a valer para grupos com motivações menos nobres. E é aí que mora o perigo.
Neste post, estamos falando do homenismo, “filosofia” defendida por alguns homens que definem um alvo bem claro para seus problemas de baixa autoestima: as mulheres.
A tal expressão vem, na verdade, como uma tentativa frustrada de trazer alguma “sofisticação” para um preconceito que se arrasta há muitos anos A.C.
É a partir dessa visão de mundo misógina que grupos como os incels se fortalecem e dão vazão ao ódio que os move. E o ódio está presente o tempo todo, afinal, eles estão se radicalizando cada vez mais e o que parecia ser apenas o discurso de um pequeno grupo de frustrados, agora está se tornando uma ameaça.
Daí a importância de analisarmos as estratégias de cooptação de novos adeptos, algo muito comum nas plataformas gamers.
Para sabermos como defender a nós e as pessoas que amamos desse movimento tóxico e covarde, vamos entender quais as características desses grupos.
Incels: os misóginos da dor de cotovelo
Entram aqui os indivíduos de uma subcultura on-line que surgiu a partir da fusão das palavras involuntary celibate que, na tradução, significa “celibatários involuntários”.
O termo foi criado inicialmente nos fóruns da internet no início dos anos 2000 e descreve pessoas, principalmente homens, que, por não conseguirem ter relações sexuais e amorosas, culpam as mulheres e os homens sexualmente ativos por isso.
É dor de cotovelo que fala, né?
Pois é. Só que esse tipo de “dor” vem causando muito estrago. Entenda no caso do inglês Jake Davison, youtuber pouco conhecido na plataforma e até banido de algumas redes sociais por suas investidas abusivas contra mulheres.
Em 2021, o jovem de 22 anos que se dizia raivoso por ainda ser virgem, matou cinco pessoas em Plymouth, no sul do Reino Unido, antes de tirar a própria vida.
Seus comentários pelas redes tinham esse tipo de teor:
“Tente ser um macho sexualmente frustrado e autista desempregado com toneladas de problemas de saúde e nenhum círculo social, preso em uma casa do governo com minha mãe nojenta e abusiva por anos, tendo perdido tanta coisa na vida, e depois volta e me diz se você não é negativo.”
Sua mãe, Maxine, batalhou para que o filho recebesse ajuda psiquiátrica muitos anos antes de perceber a piora do quadro do rapaz, quando ele se tornou obcecado pelo mundo on-line. Mas Jake sempre se negou a receber ajuda.
Mesmo com o histórico de problemas mentais, o youtuber conseguiu obter licença para a compra de uma arma de fogo, e foi aí que enlouqueceu de vez: mirou em sua mãe, que morreu na hora e, após o crime, saiu marchando pelas ruas de seu bairro, fazendo mais quatro vítimas em 6 minutos.
Jake promovia o movimento incel ativamente nas redes sociais e a situação descrita acima é considerada um dos piores ataques a tiros da última década no Reino Unido.
Porém, não falamos de um caso isolado. Muitas pessoas associadas ao grupo vêm cometendo ataques violentos em diferentes partes do mundo, cenário em que especialistas advertem que jovens mentalmente perturbados estão mais propensos a aderir ao extremismo quando inseridos na cultura da misoginia.
Red pills: o perigo de não saber lidar com a frustração
Outra leva de misóginos está vindo com tudo. São os chamados red pills – grupo com teses absurdas que colocam a mulher em uma posição inferior à do homem e dissemina pelas redes que alguns “tipos de mulheres” valem menos ou mais, a depender de como se comportam.
A subcultura fundamenta a base de que o feminino vale menos que o masculino pela simples existência. Um dos argumentos é que mulheres devem ser escolhidas por “categoria” – há, por exemplo, teorias mencionando que mães solteiras teriam menos valor e mulheres que já tiveram vários relacionamentos não são boas companheiras.
A inspiração do termo red pills — ou “pílulas vermelhas”, na tradução —, deturpa o conceito surgido na trilogia Matrix.
No filme, uma das cenas icônicas mostra Morpheus (Laurence Fishburne) oferecendo a Neo (Keanu Reeves) a escolha entre uma pílula azul e uma pílula vermelha.
“Essa é sua última chance. Depois disso, não há como voltar. Você toma a pílula azul e a história acaba, você acorda em sua cama e acredita no que quiser acreditar. Você toma a pílula vermelha e fica no País das Maravilhas, e eu mostro a profundidade da toca do coelho”, diz o personagem. A pílula azul permitiria a Neo seguir vivendo em um mundo de ilusões, enquanto a vermelha faria com que ele adquirisse consciência sobre a realidade que o cerca.
Só que a “criatividade” dos misóginos é tão grande que a metáfora da pílula vermelha foi ressignificada por causas muito distantes de seu sentido original – agora, red pills seriam homens contrários a um sistema que supostamente favoreceria o feminismo e os colocaria em desvantagem. Já os blue pills continuariam vivendo em ilusão e, portanto, seriam usados pelas mulheres.
Pior que no fundo, no fundo, mais uma vez a coisa diz muito respeito à dificuldade de muitos homens não saberem ouvir um “não”. Entenda com mais um caso.
Thiago Schutz, “coach de masculinidade” que protagoniza o movimento nas redes falando para uma audiência de milhares de pessoas, tornou-se conselheiro após participar de um reality show de relacionamento, em 2020.
Em “O crush perfeito”, ele se apaixonou por Joelma Handziuk, feminista com mais de 50 anos, mesmo dizendo que mulheres acima dos 30 anos não têm mais valor algum para a sociedade. No programa, o influenciador disputou o amor de Joelma, mãe de dois filhos adultos, com mais quatro homens. Mas ela não o escolheu.
Engraçado como parece que o mal está na cultura de que homens são fortes e viris e não podem nunca perder, não é mesmo?
Agora, entenda a avaliação de especialistas sobre esses grupos.
Incels e red pills na análise de especialistas
Para Ana Lisboa, uma das maiores referências em comportamento e liderança do país, o homenismo é um movimento formado por “meninos feridos, traumatizados por suas expectativas, ainda vinculados à própria mãe e que se ressentem da ausência da figura paterna” — fatores que criam essas imagens distorcidas sobre a mulher.
“A imagem de fraqueza do pai diante da ‘fortaleza’ da mãe, algo extremamente comum hoje em dia, cria homens sem identidade masculina, que exigirão de suas companheiras o mesmo que receberam das mães. Isso também pode criar um caráter desequilibrado”, afirma. “As polaridades invertidas, na prática, estão causando um verdadeiro desastre nas relações e na saúde mental dos envolvidos e não há outra saída que não a educação para tratar esse mal”, complementa.
A especialista chama a atenção do movimento digital para o papel de pais, educadores e instituições de ensino, e recomenda que repensem a educação sobre gênero e equidade, especialmente agora, que a internet fabrica autoridades absolutamente infundadas, com enorme alcance de público.
Segurança: você, à frente do combate ao homenismo
Hoje em dia, as pessoas tratam as ofensivas contra os grupos chamados de minoritários como “liberdade de expressão”. Tipo de coisa que, para nós, só pode se tratar de pura perversidade, afinal, há um limite para absolutamente tudo.
Quantas vezes por aí, na internet, você viu agressões gratuitas contra mulheres e quantas vezes você fez algo para que pudesse protegê-las?
Se foi por desconhecimento dos mecanismos protetivos que já existem, tudo bem. Mas saiba que eles existem e, hoje, esse tipo de situação faz parte do eixo dos crimes virtuais, de que sempre falamos por aqui.
Se é crime, as pessoas não podem, simplesmente, ficar imunes, por isso você deve usar canais de apoio como a SaferNet – instituição sem fins lucrativos focada no enfrentamento de violações de direitos humanos na web.
A plataforma recebe denúncias de quaisquer crimes que acontecem dentro do ambiente digital, incluindo os de violência contra a mulher.
Saia printando todas as ofensas que você pesca pelas redes neste link, sem medo, com a certeza de que suas denúncias garantirão seu anonimato, e colabore com essa pauta!
Nayara, a entusiasta da comunicação, é jornalista multitarefa, defensora das causas sociais e igualitárias, além de uma das nossas principais parceiras na produção de conteúdo do Dialogando.